João da Cruz e Sousa foi um poeta brasileiro. Suas obras foram de grande importância para o movimento Simbolista. O poeta nasceu no dia 24 de novembro de 1861 em Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, em Santa Catarina.
Seus pais eram escravos negros, e foram alforriados pelo Marechal Guilherme Xavier de Sousa. João já nasceu dono de sua liberdade e foi protegido e acolhido como filho pelo Marechal e sua esposa, Clarinda Fagundes de Sousa.
Compôs seus primeiros versos aos sete anos e com oito declamava poesias em salões e teatrinhos. Aos dez anos foi estudar no colégio Ateneu Provincial Catarinense, muito conceituado na região.
Alguns anos depois seus protetores faleceram, e Cruz e Sousa precisou abandonar os estudos. Então em 1877 passou a ministrar aulas particulares para seu sustento e publicava alguns versos em jornais locais. Seu interesse pelo universo cultural e político aumentava, fundando juntamente com Virgílio Várzea e Santos Lostada o jornal “Colombo” em 1881. O conteúdo já tinha certa conotação abolicionista. Também participou durante dois anos da Companhia de teatro Julieta dos Santos, viajando por várias cidades brasileiras. Em 1883 estreitou laços com o presidente de Santa Catarina, Gama Rosa. Demonstrando sua inteligência, foi nomeado promotor de Laguna em 1884, mas não assumiu o cargo por repúdio dos demais políticos.
Cruz e Sousa chamava atenção pelos seus inflamados discursos a favor da abolição. Em 1885, o poeta lança sua primeira obra “Tropas e Fantasias", em parceria com Virgílio Várzea. No mesmo ano assumiu a direção do jornal "O Moleque". Em 1890 mudou-se para o Rio de Janeiro para trabalhar como arquivista na Central do Brasil.
Em 1893 casou-se com Gavita Rosa Gonçalves, também poetisa. No mesmo ano foram publicados “Missal” e “Broquéis”, que apresentaram poesias repletas de musicalidade, representando bem o Simbolismo.
Mesmo bastante presente no meio literário, Cruz e Sousa não obteve o reconhecimento como poeta da maneira que merecia. Consequentemente, não conseguiu conquistar estabilidade financeira através de suas obras.
Descontente, teve uma vida pessoal conturbada, sofreu com o racismo, sua esposa desenvolveu crises nervosas e seus filhos adoeceram pela tuberculose. Em 1898 Cruz e Sousa também contraiu a doença e mudou-se para Sítio, em Minas Gerais, em busca de tratamento. Sem atingir melhora, veio a falecer no dia 19 de março de 1898.
Em 1905 a obra "Últimos Sonetos" foi publicada em Paris por Nestor Vítor, amigo e admirador do poeta.
Agradou muito a crítica francesa, que rotulou Cruz e Sousa como um dos mais importantes simbolistas da poesia ocidental.
Em 1961 sua obra completa foi publicada num volume de mais de oitocentas páginas, para comemorar o centenário do nascimento do poeta.
...
LIVRE
Livre! Ser livre da matéria escrava,
arrancar os grilhões que nos flagelam
e livre penetrar nos Dons que selam
a alma e lhe emprestam toda a etérea lava.
Livre da humana, da terrestre bava
dos corações daninhos que regelam,
quando os nossos sentidos se rebelam
contra a Infâmia bifronte que deprava.
Livre! bem livre para andar mais puro,
mais junto à Natureza e mais seguro
do seu Amor, de todas as justiças.
Livre! para sentir a Natureza,
para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.
O ASSINALADO
Tu és o louco da imortal loucura;
O louco da loucura mais suprema.
A terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema desventura.
Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma desventura extrema;
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.
Tu és o poeta, o grande assinalado;
Que povoas o mundo despovoado
De belezas eternas, pouco á pouco.
Na natureza prodigiosa e rica,
Toda a audácia dos nervos justifica,
Os teus espasmos imortais de louco.
...
Anda em mim, soturnamente,
uma tristeza ociosa,
sem objetivo, latente,
vaga, indecisa, medrosa.
Como ave torva e sem rumo,
ondula, vagueia, oscila
e sobe em nuvens de fumo
e na minh’alma se asila.
Uma tristeza que eu, mudo,
fico nela meditando
e meditando, por tudo
e em toda a parte sonhando.
Tristeza de não sei donde,
de não sei quando nem como…
flor mortal, que dentro esconde
sementes de um mago pomo.
Dessas tristezas incertas,
esparsas, indefinidas…
como almas vagas, desertas
no rumo eterno das vidas.
Tristeza sem causa forte,
diversa de outras tristezas,
nem da vida nem da morte
gerada nas correntezas…
Tristeza de outros espaços,
de outros céus, de outras esferas,
de outros límpidos abraços,
de outras castas primaveras.
Dessas tristezas que vagam
com volúpias tão sombrias
que as nossas almas alagam
de estranhas melancolias.
Dessas tristezas sem fundo,
sem origens prolongadas,
sem saudades deste mundo,
sem noites, sem alvoradas.
Que principiam no sonho
e acabam na Realidade,
através do mar tristonho
desta absurda Imensidade.
Certa tristeza indizível,
abstrata, como se fosse
a grande alma do Sensível
magoada, mística, doce.
Ah! tristeza imponderável,
abismo, mistério, aflito,
torturante, formidável…
ah! tristeza do Infinito!
...
VIDA OBSCURA
Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.
Atravessaste num silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.
Ninguém Te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.
Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!
..
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