Nascida em São Luís (MA), foi pioneira ao lançar Úrsula (1859), o primeiro romance publicado por uma mulher negra em toda a América Latina – e primeiro romance abolicionista de autoria feminina em língua portuguesa –, cujo enredo engloba o ponto de vista do negro.
Cantos à beira-mar, publicado originalmente em 1871, é dedicado à memória da mãe de Maria Firmina, e conta com cinquenta e seis poesias. Por ter passado grande parte da vida em Guimarães, uma cidade litorânea, o mar e a praia são presenças marcantes em sua obra.
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CISMAR
À MINHA QUERIDA PRIMA ― BALDUÍNA N. B.
Quando meus olhos lanço sobre o mar,
Augusto ─ o seu império contemplando;
Quer tranquilo murmure ─ ou rebramando,
Expande-se meu peito extasiado.
Corre minh’alma pelo céu vagando,
Sobre seres criados ─ Deus buscando…
E fundo, e deleitoso é meu cismar.
Se ronca a tempestade enegrecida,
Pavoroso trovão rouqueja incerto;
As nuvens se constrangem, o céu aberto
Elétrico clarão vomita escuro:
Ao Deus da criação, ao rei da vida
Elevo o pensamento, e o coração…
Cresce, avulta, e aumenta a cerração
E em meu vago cismar só Deus procuro;
Se plácida no céu correndo vejo
─ A lua ─ o mar, as serras prateando,
Qual áureo diadema cintilando
Em casta fronte de pudica virgem,
Em meu grato cismar só Deus almejo…
Bendiz minh’alma seu poder imenso!
Bendiz o Criador do Orbe extenso,
Que os outros rege ─ que seu trono cingem.
E bendigo depois a minha dor,
Meu duro sofrimento, ─ o meu viver…
Porque pode apagar, fundo sofrer
As feias culpas do existir da terra.
Oh! sim minh’alma te bendiz Senhor.
Quando cismando se recolher triste…
Bendiz o eterno amor, que em ti existe,
O imenso poder que em ti se encerra!!…
Fonte
“Cantos à Beira-Mar e Gupeva”, Maria Firmina dos Reis, Academia Ludovicense de Letras, São Luís
AMOR
Ah! sim eu quero rever-te a medo
Terno segredo ─ que em minh’alma habita;
Mas, vês? Eu tremo… teu sorriso anima:
Vê, se o que digo, o teu dizer imita…
Um ai poderá traduzir ─ n’um ai
Tudo o que pedes que eu te diga agora;
Mas tu não queres!… teu querer respeito.
Eia… coragem! dir-te-ei n’uma hora.
Oh! não te esqueças meu rubor, meu pejo,
Vê que eu vacilo… que eu perdi a cor;
Embora… escuta. Tu me amas? ─ dize
Eu te confesso que te voto amor…
Fonte
“Cantos à Beira-Mar e Gupeva”, Maria Firmina dos Reis, Academia Ludovicense de Letras, São Luís (MA), 2017.
UNS OLHOS
Vi uns olhos… que olhos tão belos!
Esses olhos têm certo volver,
Que me obrigam a profundo cismar,
Que despertam-me um vago querer.
Esses olhos calam na alma,
Viva chama de ardente paixão,
Esses olhos me geram alegria,
Me desterram pungente aflição.
Esses olhos devera eu ter visto
Há mais tempo ─ talvez ao nascer,
Esses olhos me falam de amores.
Nesses olhos eu quero viver.
Nesses olhos eu bebo a existência
Nesses olhos de doce langor,
Nesses olhos, que fazem sem custo
Meigas juras eternas de amor.
Esses olhos que dizem n’uma’hora,
Num momento, num doce volver,
Tudo aquilo que os lábios nos dizem
E que os lábios não sabem dizer.
Esses olhos têm mago condão,
Esses olhos me excitam o viver!…
Só por eles eu amo a existência,
Só por eles, eu quero morrer!
Publicado originalmente em “A Verdadeira Marmota”, 27/5/1861.
“Maria Firmina ─ Fragmentos de uma Vida”, José Nascimento Morais Filho, Governo do Maranhão, São Luís, 1976.
(MA), 2017.
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