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sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Machado de Assis

 

MACHADO DE ASSIS - Considerado por muitos como um dos maiores nomes da literatura brasileira. Joaquim Maria Machado de Assis publicou além de romances, também, poemas, contos e peças de teatro. Foi pioneiro na crônica em diversos jornais e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Produziu mais de 50 obras, entre as mais famosas, estão: “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881); “O Alienista” (1882); “Quincas Borba” (1891) e “Dom Casmurro” (1899).

 

 

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Uma Criatura

Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.
Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira do abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Traz impresso na fronte o obscuro despotismo;
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e egoísmo.
Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto arealum vasto paquiderme.
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.
Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto,
E é nesse destruir que as suas forças dobra.
Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida;
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a morte; eu direi que é a vida.

 

Machado de Assis via Pensador

 

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Os dois horizontes

Dois horizontes fecham nossa vida:

Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro, —
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.

Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O voo das andorinhas,
A onda viva e os rosais.
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.

Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.

No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.

Que cismas, homem? — Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? — Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.

Dois horizontes fecham nossa vida.

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Machado de Assis

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A primeira glória é a reparação dos erros.

As ocasiões fazem as revoluções.

O amor é o rei dos moços e o tirano dos velhos.

O amor é o egoísmo duplicado.

Não se perde nada em parecer mau - ganha-se tanto como em sê-lo.

Também a dor tem suas hipocrisias.

O medo é um preconceito dos nervos. E um preconceito, desfaz-se - basta a simples reflexão.

Dormir é um modo interino de morrer.

O tempo é um rato roedor das coisas, que as diminui ou altera no sentido de lhes dar outro aspecto.

Matamos o tempo - o tempo nos enterra.

Amor repelido é amor multiplicado.

De todas as coisas humanas, a única que tem o fim em si mesma é a arte.

O destino, como os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho.

Não se ama duas vezes a mesma mulher.

A vaidade é um princípio de corrupção.

Não há alegria pública que valha uma boa alegria particular.

Suporta-se com muita paciência a dor no fígado alheio.

A fortuna troca, ás vezes, os cálculos da natureza.

Machado de Assis

 

 

 

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Cruz e Sousa


 

João da Cruz e Sousa foi um poeta brasileiro. Suas obras foram de grande importância para o movimento Simbolista. O poeta nasceu no dia 24 de novembro de 1861 em Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, em Santa Catarina.

Seus pais eram escravos negros, e foram alforriados pelo Marechal Guilherme Xavier de Sousa. João já nasceu dono de sua liberdade e foi protegido e acolhido como filho pelo Marechal e sua esposa, Clarinda Fagundes de Sousa.

 Compôs seus primeiros versos aos sete anos e com oito declamava poesias em salões e teatrinhos. Aos dez anos foi estudar no colégio Ateneu Provincial Catarinense, muito conceituado na região.

Alguns anos depois seus protetores faleceram, e Cruz e Sousa precisou abandonar os estudos. Então em 1877 passou a ministrar aulas particulares para seu sustento e publicava alguns versos em jornais locais. Seu interesse pelo universo cultural e político aumentava, fundando juntamente com Virgílio Várzea e Santos Lostada o jornal “Colombo” em 1881. O conteúdo já tinha certa conotação abolicionista. Também participou durante dois anos da Companhia de teatro Julieta dos Santos, viajando por várias cidades brasileiras. Em 1883 estreitou laços com o presidente de Santa Catarina, Gama Rosa. Demonstrando sua inteligência, foi nomeado promotor de Laguna em 1884, mas não assumiu o cargo por repúdio dos demais políticos.

Cruz e Sousa chamava atenção pelos seus inflamados discursos a favor da abolição. Em 1885, o poeta lança sua primeira obra “Tropas e Fantasias", em parceria com Virgílio Várzea.  No mesmo ano assumiu a direção do jornal "O Moleque". Em 1890 mudou-se para o Rio de Janeiro para trabalhar como arquivista na Central do Brasil.

Em 1893 casou-se com Gavita Rosa Gonçalves, também poetisa. No mesmo ano foram publicados “Missal” e “Broquéis”, que apresentaram poesias repletas de musicalidade, representando bem o Simbolismo.

Mesmo bastante presente no meio literário, Cruz e Sousa não obteve o reconhecimento como poeta da maneira que merecia. Consequentemente, não conseguiu conquistar estabilidade financeira através de suas obras.

Descontente, teve uma vida pessoal conturbada, sofreu com o racismo, sua esposa desenvolveu crises nervosas e seus filhos adoeceram pela tuberculose. Em 1898 Cruz e Sousa também contraiu a doença e mudou-se para Sítio, em Minas Gerais, em busca de tratamento. Sem atingir melhora, veio a falecer no dia 19 de março de 1898.

Em 1905 a obra "Últimos Sonetos" foi publicada em Paris por Nestor Vítor, amigo e admirador do poeta.

Agradou muito a crítica francesa, que rotulou Cruz e Sousa como um dos mais importantes simbolistas da poesia ocidental.

Em 1961 sua obra completa foi publicada num volume de mais de oitocentas páginas, para comemorar o centenário do nascimento do poeta.

 

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LIVRE

Livre! Ser livre da matéria escrava,
arrancar os grilhões que nos flagelam
e livre penetrar nos Dons que selam
a alma e lhe emprestam toda a etérea lava.

Livre da humana, da terrestre bava
dos corações daninhos que regelam,
quando os nossos sentidos se rebelam
contra a Infâmia bifronte que deprava.

Livre! bem livre para andar mais puro,
mais junto à Natureza e mais seguro
do seu Amor, de todas as justiças.

Livre! para sentir a Natureza,
para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.

Cruz e Sousa

 

O ASSINALADO

Tu és o louco da imortal loucura;
O louco da loucura mais suprema.
A terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma desventura extrema;
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o poeta, o grande assinalado;
Que povoas o mundo despovoado
De belezas eternas, pouco á pouco.

Na natureza prodigiosa e rica,
Toda a audácia dos nervos justifica,
Os teus espasmos imortais de louco.

Cruz e Sousa

 

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Anda em mim, soturnamente,
uma tristeza ociosa,
sem objetivo, latente,
vaga, indecisa, medrosa.

Como ave torva e sem rumo,
ondula, vagueia, oscila
e sobe em nuvens de fumo
e na minh’alma se asila.

Uma tristeza que eu, mudo,
fico nela meditando
e meditando, por tudo
e em toda a parte sonhando.

Tristeza de não sei donde,
de não sei quando nem como…
flor mortal, que dentro esconde
sementes de um mago pomo.

Dessas tristezas incertas,
esparsas, indefinidas…
como almas vagas, desertas
no rumo eterno das vidas.

Tristeza sem causa forte,
diversa de outras tristezas,
nem da vida nem da morte
gerada nas correntezas…

Tristeza de outros espaços,
de outros céus, de outras esferas,
de outros límpidos abraços,
de outras castas primaveras.

Dessas tristezas que vagam
com volúpias tão sombrias
que as nossas almas alagam
de estranhas melancolias.

Dessas tristezas sem fundo,
sem origens prolongadas,
sem saudades deste mundo,
sem noites, sem alvoradas.

Que principiam no sonho
e acabam na Realidade,
através do mar tristonho
desta absurda Imensidade.

Certa tristeza indizível,
abstrata, como se fosse
a grande alma do Sensível
magoada, mística, doce.

Ah! tristeza imponderável,
abismo, mistério, aflito,
torturante, formidável…
ah! tristeza do Infinito!

Cruz e Sousa 

 

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VIDA OBSCURA

 
Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste num silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém Te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!

Cruz e Sousa

 

 

 

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segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Elisa Lucinda


Definida pela escritora Nélida Piñon como uma poeta que tem "a linguagem em chamas", a poeta, atriz, escritora, jornalista e professora Elisa Lucinda disse ao Estação Sabiá: "Tudo o que eu ganhei na vida foi a poesia que me deu." Ativista da palavra, Elisa, que é capixaba, foi para o Rio com vinte e poucos anos para ser atriz, mas a poesia, que já fazia morada nela, a capturou de vez. Precursora da poesia falada, do poema dito de forma coloquial, e não declamada, Elisa levou o poema para o espaço aberto e ensinou muita gente a dizer e a fazer poesia.

Criou a Casa Poema, onde faz workshops, ensina a "poesia falada". Faz um trabalho de empregabilidade de pessoas trans, faz o Versos da Liberdade, que leva poesia a meninos infratores e onde tem o programa Palavra de Polícia, que leva policiais a compreender e se sensibilizar com a força da poesia. Cidadania é o mote do seu trabalho e o objetivo é mostrar o poder da palavra. "A vida dos mais frágeis acaba ficando muito perto da violência, sua camada de proteção da cidadania é muito fininha, então torna-se urgente ensinar a essas pessoas o poder da palavra para que se expressem com a cabeça erguida."

Elisa diz que sempre quis falar para as pessoas do seu tempo, e agora muitos jovens conhecem seu trabalho. "Muito do que sempre falei está sendo compreendido agora".

Inscreva-se na TV 247 e assista à íntegra da entrevista.

 O POEMA DO SEMELHANTE

O Deus da parecença que nos costura em igualdade, que nos papel-carboniza em sentimento que nos pluraliza que nos banaliza por baixo e por dentro, foi este Deus que deu destino aos meus versos, Foi Ele quem arrancou deles a roupa de indivíduo e deu-lhes outra de indivíduo ainda maior, embora mais justa. Me assusta e acalma ser portadora de várias almas de um só som comum eco ser reverberante espelho, semelhante ser a boca ser a dona da palavra sem dono de tanto dono que tem. Esse Deus sabe que alguém é apenas o singular da palavra multidão Eh mundão todo mundo beija todo mundo almeja todo mundo deseja todo mundo chora alguns por dentro alguns por fora alguém sempre chega alguém sempre demora. O Deus que cuida do não-desperdício dos poetas deu-me essa festa de similitude bateu-me no peito do meu amigo encostou-me a ele em atitude de verso beijo e umbigos, extirpou de mim o exclusivo: a solidão da bravura a solidão do medo a solidão da usura a solidão da coragem a solidão da bobagem a solidão da virtude a solidão da viagem a solidão do erro a solidão do sexo a solidão do zelo a solidão do nexo. O Deus soprador de carmas deu de eu ser parecida Aparecida santa puta criança deu de me fazer diferente pra que eu provasse da alegria de ser igual a toda gente Esse Deus deu coletivo ao meu particular sem eu nem reclamar Foi Ele, o Deus da par-essência O Deus da essência par. Não fosse a inteligência da semelhança seria só o meu amor seria só a minha dor bobinha e sem bonança seria sozinha minha esperança.

 

Elisa Lucinda 


Safena


Sabe o que é um coração

amar ao máximo de seu sangue?

Bater até o auge de seu baticum?

Não, você não sabe de jeito nenhum.

Agora chega.

Reforma no meu peito!

Pedreiros, pintores, raspadores de mágoas

aproximem-se!

Rolos, rolas, tinta, tijolo

comecem a obra!

Por favor, mestre de Horas

Tempo, meu fiel carpinteiro

comece você primeiro passando verniz nos móveis

e vamos tudo de novo do novo começo.

Iansã, Oxum, Afrodite, Vênus e Nossa Senhora

apertem os cintos

Adeus ao sinto muito do meu jeito

Pitos ventres pernas

aticem as velas

que lá vou de novo na solteirice

exposta ao mar da mulatice

à honra das novas uniões

Vassouras, rodos, águas, flanelas e cercas

Protejam as beiras

lustrem as superfícies

aspirem os tapetes

Vai começar o banquete

de amar de novo

Gatos, heróis, artistas, príncipes e foliões

Façam todos suas inscrições.

Sim. Vestirei vermelho carmim escarlate

O homem que hoje me amar

Encontrará outro lá dentro.

Pois que o mate.

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Elisa Lucinda 



Aviso da lua que menstrua


 

 https://www.youtube.com/watch?v=SkfeGN9kzFM&feature=emb_logo

Moço, cuidado com ela! Há que se ter cautela com esta gente que menstrua… Imagine uma cachoeira às avessas: Cada ato que faz, o corpo confessa. Cuidado, moço Às vezes parece erva, parece hera Cuidado com essa gente que gera Essa gente que se metamorfoseia Metade legível, metade sereia. Barriga cresce, explode humanidades E ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar Mas é outro lugar, aí é que está: Cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita.. Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente Que vai cair no mesmo planeta panela. Cuidado com cada letra que manda pra ela! Tá acostumada a viver por dentro, Transforma fato em elemento A tudo refoga, ferve, frita Ainda sangra tudo no próximo mês. Cuidado moço, quando cê pensa que escapou É que chegou a sua vez! Porque sou muito sua amiga É que tô falando na “vera” Conheço cada uma, além de ser uma delas. Você que saiu da fresta dela Delicada força quando voltar a ela. Não vá sem ser convidado Ou sem os devidos cortejos.. Às vezes pela ponte de um beijo Já se alcança a “cidade secreta” A atlântida perdida. Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela. Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas Cai na condição de ser displicente Diante da própria serpente Ela é uma cobra de avental Não despreze a meditação doméstica É da poeira do cotidiano Que a mulher extrai filosofando Cozinhando, costurando e você chega com mão no bolso Julgando a arte do almoço: eca!… Você que não sabe onde está sua cueca? Ah, meu cão desejado Tão preocupado em rosnar, ladrar e latir Então esquece de morder devagar Esquece de saber curtir, dividir. E aí quando quer agredir Chama de vaca e galinha. São duas dignas vizinhas do mundo daqui! O que você tem pra falar de vaca? O que você tem eu vou dizer e não se queixe: Vaca é sua mãe. de leite. Vaca e galinha… Ora, não ofende. enaltece, elogia: Comparando rainha com rainha Óvulo, ovo e leite Pensando que está agredindo Que tá falando palavrão imundo. Tá, não, homem. Tá citando o princípio do mundo!




 

 

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Machado de Assis

  MACHADO DE ASSIS - Considerado por muitos como um dos maiores nomes da literatura brasileira. Joaquim Maria Machado de Assis publicou alé...